
Nos últimos anos, o debate sobre Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I) avançou para o centro da estratégia de gestão. A maioria das empresas já entende a importância de criar equipes mais plurais, mas os dados do Check-up de Bem-estar 2025 provam que ainda existe um abismo entre o discurso da inclusão e a realidade vivida nas empresas.
O maior estudo sobre bem-estar corporativo do Brasil, que ouviu mais de 11.600 profissionais, revela: no geral, pessoas pretas e pardas apresentam os piores índices em todos os pilares de saúde.
Para entender o que está por trás dos números, convidamos Patricia Santos, CEO e Fundadora da EmpregueAfro. Boa leitura!
“A desigualdade não mora só no contracheque – ela mora no corpo”
Ao analisar os dados do Check-up de Bem-estar 2025, a primeira reflexão de Patricia Santos é sobre como a desigualdade racial atravessa todos os pilares da vida.
“Não é apenas sobre renda ou oportunidades. É sobre o impacto emocional e físico de viver num país que ainda naturaliza o cansaço da população negra. Esses dados mostram que o racismo não é apenas estrutural, ele é também psicológico e metabólico: ele tira o sono, drena a energia e compromete o planejamento financeiro.”
Os números pintam um quadro claro de desvantagem estrutural:
- Saúde Mental: 36% de pessoas pretas e pardas não fazem nada para cuidar da saúde mental (vs. 24% de brancos).
- Saúde Financeira: Apenas 34% de pessoas pretas e pardas têm uma percepção positiva (vs. 46% de brancos).
- Saúde Física: Apenas 27% estão satisfeitos (vs. 35% de brancos).
- Sono: 30% estão insatisfeitos com a qualidade do sono (vs. 25% de brancos).
O ciclo da vulnerabilidade: por que o autocuidado “parece luxo”?
Dois dos dados mais alarmantes do estudo, quando lidos em conjunto, expõem um ciclo vicioso: o grupo com a pior saúde financeira (apenas 34% com visão positiva) é também o que mais “não faz nada” pela saúde mental (36%).
Para Patrícia Santos, isso não é coincidência, nem “falta de vontade”. É a consequência lógica de um sistema que força a sobrevivência a ter prioridade sobre o autocuidado.
“Quando falamos que 36% das pessoas pretas e pardas não fazem nada pela saúde mental, é preciso lembrar que o autocuidado não é uma escolha quando se está sobrevivendo. O racismo estrutural impõe uma lógica de resistência constante: acordar, lutar, provar e resistir – todos os dias. Dentro dessa rotina, descansar parece luxo, terapia parece vaidade e parar vira culpa.”
A prisão emocional que freia carreiras
Essa luta constante pela sobrevivência, evidenciada pela má saúde financeira, cria o que Patricia chama de “prisão emocional” e limita ativamente a carreira desses profissionais.
“Profissionais negros, mesmo altamente qualificados, hesitam em negociar salários, aceitam condições piores e até cargos inferiores ou permanecem em ambientes tóxicos porque não têm a segurança de um colchão financeiro. A ausência de reserva de emergência vira uma prisão emocional: o medo de perder o emprego impede a ousadia de crescer.”
A interseccionalidade: “ninguém prospera exausta”
Se os dados gerais de raça são preocupantes, a interseccionalidade com gênero revela o ponto mais crítico do estudo. Mulheres pretas e pardas apresentam os piores índices de forma consistente:
- Saúde financeira positiva: Apenas 30% (vs. 44% de mulheres brancas).
- Insatisfação com o sono: 35% (vs. 25% de mulheres brancas).
- Insatisfação com bem-estar geral: 33% (vs. 27% de mulheres brancas).
Para Patrícia Santos, “a mulher negra está na base de todas as pirâmides – de renda, de saúde, de descanso e de reconhecimento. Ela é quem sustenta lares, empresas e comunidades, mas segue sendo a última a ser cuidada.”
O alerta dela é direto: “A sobrecarga física e emocional não é invisível: ela se manifesta em burnout, insônia e adoecimento. E isso impacta diretamente a ascensão profissional, porque ninguém prospera exausta”.
Geração Z: a desigualdade começa cedo
O Check-up de Bem-estar 2025 mostra que essa desigualdade estrutural já é visível na Geração Z. Ao analisar a “dupla jornada” dos jovens, o estudo revelou que:
- Trabalho + Casa é mais comum em jovens pretos e pardos (23% vs 16%).
- Trabalho + Estudo é mais comum em jovens brancos (31% vs 26%).
Patricia Santos, que começou a trabalhar aos 13 anos, vê esse dado como um reflexo de sua própria história.
“A geração Z negra já começa a vida adulta acumulando funções antes mesmo do crachá. Isso cria uma linha de partida completamente desigual, porque o tempo que um usa pra aprender, o outro usa pra sobreviver. A juventude negra está cansada cedo demais, e isso também é uma forma de exclusão”.
O papel da liderança e a ação do RH
Diante desse cenário, como as empresas podem agir? Para Patricia Santos, o primeiro passo é a conscientização da liderança, que muitas vezes é branca.
“Muitos líderes (especialmente brancos) ainda enxergam diversidade como um tema ‘corporativo’, e não como um tema de humanidade. Não percebem o peso da carga mental do racismo, a vigilância constante, o medo de errar e ser lido como ‘incompetente’. Enquanto uns chegam para liderar, outros ainda precisam provar que pertencem.”
Para ela, “liderar pessoas negras exige empatia ativa, não só boas intenções”.
O que o RH pode fazer amanhã?
Patricia finaliza com uma lista de ações práticas e urgentes para o RH “sair do campo simbólico e entrar no campo do impacto”:
- Educação financeira personalizada para profissionais negros, com foco em planejamento e reservas.
- Programas de saúde mental com psicólogos negros, racializados e rodas de conversa seguras.
- Treinamentos sobre conscientização racial e a interseccionalidade de saúde mental e raça.
- Mentorias internas que apoiem o crescimento de carreira com foco em autoconfiança.
- Revisão de políticas de benefícios, garantindo acesso equitativo a terapia e flexibilidade.
- E, acima de tudo, “inclusão como métrica de performance — não como discurso de marketing.”
Para ver todos os dados sobre gerações, gênero e raça, e entender a fundo o cenário do bem-estar no Brasil, baixe agora o Check-up de Bem-estar 2025.






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