Conforme o mundo corporativo evolui, os profissionais de recursos humanos enfrentam desafios e oportunidades singulares decorrentes das rápidas transformações tecnológicas e culturais. Uma tendência se destaca nesse cenário: a crescente valorização das habilidades comportamentais em detrimento das experiências técnicas.
Impulsionada por mudanças tecnológicas e culturais, essa tendência sugere uma transformação profunda na forma como as empresas selecionam e desenvolvem seus talentos.
Em entrevista à Vidalink, o especialista em Carreira e Recolocação, e Linkedin Top Voice, Paulo Augustinho, traz uma visão sobre essa transição: “Notavelmente, nos anúncios de vagas, já é perceptível uma flexibilização quanto à exigência de experiência técnica, com um maior destaque para as habilidades comportamentais.”
Por que as empresas estão valorizando tanto as habilidades comportamentais?
Nos últimos anos, as organizações perceberam que a combinação de habilidades técnicas (hard skills) e habilidades comportamentais (soft skills) é essencial para alcançar uma performance excepcional. À medida que as competências socioemocionais se tornam um critério essencial no recrutamento, o investimento no desenvolvimento dessas habilidades do futuro tornou-se uma prioridade.
Vivemos em um tempo de transformações significativas no mercado de trabalho, aceleradas pela pandemia, que impulsionou a adoção de práticas digitais que até então avançavam a um ritmo moderado. Empresas que subestimavam o impacto da transformação digital foram obrigadas a se adaptar rapidamente, e foi neste contexto que as habilidades comportamentais se destacaram ainda mais.
“Essa questão de ter um conhecimento mais diversificado, que não se restringe a questões técnicas, se deve muito em função ao cenário que estamos vivenciando atualmente, sendo requerido por vários fatores, como tecnológico, econômico e climático”, complementa Augustinho.
A mudança para o trabalho remoto e híbrido, junto com a adoção de novas tecnologias e a automatização de processos, provocou uma reavaliação dos tipos de empregos disponíveis. Surgiram novas funções, menos focadas em tarefas operacionais e mais voltadas para estratégias digitais, análise de dados e gestão de pessoas.
A transformação digital ultrapassa a tecnologia, pois não se trata apenas de quantas plataformas ou ferramentas o profissional domina, mas sim do que é capaz de realizar com elas. Não é apenas sobre tecnologia, é sobre pessoas.
Aquela velha preocupação de que os empregos seriam substituídos por robôs se materializou parcialmente. No entanto, muitos trabalhos agora são ocupados por pessoas que souberam aproveitar as oportunidades para se adaptar e aprimorar essas habilidades profissionais.
Principais desafios das organizações
Contudo, a mudança de foco para habilidades em detrimento da experiência não vem sem desafios. Se por um lado um número gigante de pessoas está à procura de emprego, de outro também temos as organizações que procuram talentos com habilidades específicas. Entretanto, não há uma harmonia entre essa oferta e demanda devido à falta de profissionais com habilidades requisitadas.
Este cenário é amplificado pela observação no relatório sobre O futuro do Trabalho, da WEF (World Economic Forum), que aponta para uma dificuldade significativa: “O desafio das companhias internacionais em capitalizar as oportunidades de crescimento proporcionadas pela nova era digital é agravado pela falta de habilidades profissionais específicas”.
Em resumo, o documento revela que 55,4% das organizações consultadas reportam uma deficiência em habilidades comportamentais nos candidatos disponíveis, o que complica o processo de contratação.
“Um dos principais desafios é o desenvolvimento eficaz de habilidades comportamentais. Embora essas habilidades sejam cada vez mais valorizadas, as empresas muitas vezes têm dificuldade em encontrar talentos com elas desenvolvidas“, afirma Augustinho.
Como as empresas podem superar esses desafios?
Para fomentar um ambiente que valorize o crescimento contínuo, os departamentos de RH devem implementar programas internos de desenvolvimento focados em habilidades comportamentais.
“Políticas orientadoras e programas de treinamento práticos são soluções viáveis para superar essa lacuna, fornecendo ferramentas e oportunidades para os indivíduos aprimorarem suas competências comportamentais de forma consistente no dia a dia”, complementa.
Workshops, treinamentos específicos e programas de mentoria são essenciais para aprimorar as soft skills dos colaboradores. Além disso, estabelecer uma cultura de aprendizado contínuo, onde o desenvolvimento pessoal e profissional é incentivado, pode significar a diferença entre reter talentos e vê-los partir para oportunidades que ofereçam maior crescimento.
Como as organizações podem identificar talentos com habilidades comportamentais?
A tarefa de identificar candidatos com fortes habilidades comportamentais requer uma abordagem inovadora dos processos de recrutamento. Profissionais de RH podem se valer de entrevistas comportamentais profundas e testes psicométricos para descobrir candidatos que não apenas atendam às necessidades técnicas, mas que também demonstrem criatividade, pensamento crítico e inteligência emocional excepcionais.
“Nós propomos ouvir o profissional durante a entrevista, identificando situações em que ele tenha vivenciado, por exemplo, de trabalhos anteriores. Quando o profissional narra sua história, vamos entendendo qual foi o comportamento que ele teve no passado e que tendenciosamente possa vir a se repetir no futuro, em uma atividade que ele esteja desenvolvendo”, explica o especialista sobre as entrevistas comportamentais.
Outra estratégia inclui entrar em contato com empregadores anteriores para obter referências, o que permite compreender melhor o histórico de trabalho do candidato e seu comportamento em contextos profissionais anteriores.
Além disso, Augustinho enfatiza que o uso de tecnologia moderna oferece uma abordagem adicional, com várias plataformas disponíveis possibilitando a realização de testes comportamentais e de personalidade. Essas avaliações fornecem indicadores que ajudam na escolha do candidato ideal para uma determinada posição, facilitando a decisão do empregador na seleção de um talento adequado.
“Incorporar dinâmicas de grupo nos processos de seleção também se mostra um método eficaz. Claro, cada organização, levando em consideração as habilidades comportamentais que julga serem mais vantajosas para o contexto específico de trabalho, deve adaptar ou desenvolver dinâmicas que melhor atendam a essas necessidades”, finaliza.
Quais estratégias o RH deve aplicar para reter talentos com habilidades comportamentais?
A retenção de talentos excepcionais vai além de oferecer um bom pacote de benefícios. Profissionais de RH precisam criar e manter um ambiente de trabalho que promova desafios, inovação e oportunidades para aplicar e desenvolver habilidades comportamentais. Isso inclui a promoção de projetos inovadores, a facilitação de uma cultura colaborativa e a garantia de que todos os funcionários sintam-se valorizados e parte integral do sucesso organizacional.
“Esse é um dos principais desafios de qualquer organização,e nesse caso, não há separação de técnico e comportamental. Um ambiente saudável, com apoio psicológico, boas lideranças, valorização do trabalho e possibilidade de crescimento, são formas que as empresas têm hoje de reter talentos”, complementa o especialista.
Augustinho ainda acrescenta sobre a diversidade e inclusão das empresas, principalmente pensando na nova geração:
É fundamental reconhecer que todos possuímos habilidades e qualidades únicas, construídas ao longo de nossas experiências de vida. Essa percepção, aliada aos insights proporcionados pelos testes de perfil, facilita a identificação de quais habilidades merecem atenção especializada em termos de desenvolvimento.
A seguir, exploramos 4 estratégias eficazes para estimular o crescimento das habilidades do futuro dentro da organização.
Entenda a individualidade no desenvolvimento profissional
Ao integrar um novo colaborador à equipe, naturalmente espera-se que ele execute suas funções com competência e responsabilidade. Mas também é preciso investir no aprimoramento contínuo dos talentos. Mesmo priorizando a contratação de profissionais com habilidades desejadas, é imprescindível reconhecer a necessidade de atualização e evolução constante dessas competências.
Este processo demanda uma compreensão de que o desenvolvimento ocorre de maneira única para cada profissional. Enquanto alguns prosperam através do aprendizado prático, outros podem beneficiar-se mais de abordagens teóricas.
Identificar as preferências, facilidades e desafios individuais é essencial para selecionar os métodos de capacitação mais eficazes. Assim, é importante dar voz aos colaboradores, permitindo que eles expressem suas preferências de aprendizado. Avalie a viabilidade dessas preferências e implemente-as sempre que possível, garantindo uma abordagem personalizada e eficiente ao desenvolvimento de habilidades.
Ofereça suporte adequado
Estimular conversas com profissionais experientes nas habilidades que estão sendo aprimoradas é fundamental para o processo de aprendizado. No entanto, esse suporte não se limita apenas à orientação de mentores.
Disponibilizar acesso a aconselhamento psicológico ou a orientação de um coach profissional pode fazer uma grande diferença. Esses recursos ajudam os colaboradores a ter uma melhor autoconsciência, permitindo que identifiquem por si mesmos as áreas que necessitam de desenvolvimento, tanto no âmbito profissional quanto pessoal.
Incentive a aplicação prática
A rotina pode levar muitos a uma execução automática de tarefas, minimizando a reflexão crítica e a inovação. Para combater esse cenário, a ideia é implementar estratégias como o job rotation — o revezamento de funções dentro da empresa. Essa prática não apenas quebra a monotonia do dia a dia, mas também expõe os profissionais a novas competências técnicas e comportamentais, enriquecendo sua experiência e versatilidade.
Identifique e supere obstáculos
Antes de dar início a qualquer processo de desenvolvimento profissional e pessoal, é essencial reconhecer que cada indivíduo já possui um conjunto de habilidades comportamentais para o futuro. A longa experiência no mercado de trabalho não implica em uma necessidade de remodelação completa.
Cabe à organização auxiliar na identificação das competências que mais se alinham ao perfil de cada colaborador e entender quais desafios específicos podem estar limitando seu crescimento. A realização regular de avaliações de desempenho e análises de perfil desempenha um papel importante neste processo, oferecendo insights claros sobre as direções a serem seguidas para um desenvolvimento eficaz.
O futuro do trabalho e do RH
Para finalizar, Paulo Augustinho prevê o futuro do trabalho e do RH com uma maior liberdade para criar, trabalhar e viver, com novos empregos emergindo em resposta a desafios como questões climáticas e saúde mental.
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