Segundo o dicionário Oxford Languages, a “consciência” é o sentimento ou conhecimento que permite ao ser humano “vivenciar, experimentar ou compreender aspectos ou a totalidade de seu mundo interior”.
Quando estamos conscientes, percebemos-nos no mundo. Mas o termo “consciência”, tão pesquisado pela filosofia da mente e pela psicologia, também carrega um segundo atributo. Quando está ciente de algo, um indivíduo ou um grupo não somente percebe-se no mundo, mas também torna-se parte do mundo, e isso permite que reflita e atue de forma responsável e verdadeira na sociedade.
No dia 20 de novembro é celebrado no Brasil o Dia da Consciência Negra. O dia foi escolhido por ser a data atribuída à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, um dos maiores líderes negros que lutou pela libertação do povo contra o sistema escravista. Hoje, mais de 300 anos depois, a luta pela igualdade social e pela inclusão dos negros na sociedade ainda enfrenta obstáculos e desafios.
Neste artigo, veremos como o preconceito e o racismo estrutural impactam diretamente a saúde e o bem-estar da população negra. Boa leitura!
Um retrato do racismo no Brasil
De acordo com dados do IBGE, o Brasil é o maior país do mundo em população afrodescendente fora da África: 46,8% dos brasileiros se autodeclararam como pardos e 9,4% como pretos. A soma constitui a maioria da nossa população: 56,2%.
No entanto, ser maioria não significa ter mais acesso a direitos básicos como serviços de saúde, educação e cultura de qualidade. Para discutir o tema do racismo, é preciso ter em vista que os negros compõem a grande parcela da população mais pobre no Brasil. Historicamente, esse grupo social se estabeleceu nas áreas mais periféricas, onde a educação, a cultura e a saúde dificilmente chegam.
Por conta dessas limitações socioeconômicas e, muitas vezes, também pela falta de informação, a população que reside nessas áreas acaba consumindo alimentos muito calóricos e pouco nutritivos, como ultraprocessados, bolachas, macarrão instantâneo e refrigerantes, por exemplo. Esses hábitos, somados à questão da exclusão e vulnerabilidade social, fazem com que a população negra brasileira seja a mais afetada pelas chamadas doenças evitáveis, ou seja, aquelas que podem ser prevenidas por ações dos serviços de saúde.
Vamos a alguns números para entender melhor essa questão.
Doenças evitáveis
Segundo o Ministério da Saúde, 59% dos brasileiros que tinham tuberculose em 2014 eram negros. Neste caso, não existe nenhum fator genético associado, mas sim fatores socioeconômicos e, principalmente, sanitários, como acesso à água filtrada e esgoto, por exemplo. Em conjunto, esses fatores contribuem para o aumento dos casos de tuberculose na população negra.
Quando falamos de saúde das crianças, os dados são ainda mais preocupantes: o risco de uma criança negra morrer antes dos 5 anos por causas infecciosas e parasitárias é 60% maior do que o de uma criança branca, segundo a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Além disso, o risco de desnutrição atinge 90% das crianças negras, enquanto para as crianças brancas ele é quase inexistente.
Como dissemos anteriormente, os maus hábitos alimentares da população mais pobre – e, consequentemente, negra – também é um fator preocupante. Só para se ter uma ideia, a diabetes tipo 2 atinge 9% mais homens negros que brancos, e as mulheres negras têm em torno de 50% mais riscos de desenvolver a doença.
Em relação à hipertensão, o risco é 27% maior em negros e 6% maior em pardos, em comparação aos brancos.
O racismo na assistência à saúde da mulher
Bom, até aqui já vimos que a assistência à saúde é bastante desigual quando comparamos as populações negra e branca no Brasil. Mas quando nos aprofundamos ainda mais no tema e fazemos o recorte por gênero, os dados revelam uma perigosa realidade para as mulheres negras em nosso país.
O portal AzMina coletou mais de cem relatos de mulheres de todo o Brasil sobre suas experiências em atendimentos médicos. Mais de 80% das respostas foram de mulheres não-brancas. Destas, quase 68% afirmaram já ter sofrido racismo durante atendimento médico. De acordo com o formulário, as especialidades com maior número de ocorrências foram ginecologia (43 casos), clínica (40), dermatologia (19) e obstetrícia (10).
E, por falar em obstetrícia, uma pesquisa da Fiocruz indicou que as negras são mais propensas a ter um pré-natal inadequado (67,9%), recebem menos orientações sobre complicações no parto (41,4%) e recebem menos anestesia durante o corte no períneo (10,7%). O estudo intitulado “A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil” acompanhou mais de 23 mil mulheres para identificar as desigualdades que ocorriam durante a gestação e o parto de acordo com a cor da pele das mães.
Os reflexos do racismo na saúde mental
Um estudo norte-americano relatou que determinados grupos oprimidos (negros e comunidade LGBTQIA+, por exemplo) experimentam maiores incidentes do chamado “estresse minoritário” (baseado em raça, sexualidade, gênero, deficiência, etc).
A pesquisa encontrou níveis mais baixos de bem-estar psicológico entre os negros nos Estados Unidos devido ao preconceito social e à discriminação. A exposição ao estresse crônico relacionado à raça tem um impacto direto na saúde física dessa população: foi observado um aumento expressivo nas taxas de hipertensão e outros problemas cardíacos em negros americanos devido a esse estresse minoritário.
Trazendo a perspectiva para a realidade brasileira, os números também são alarmantes. De acordo com o Ministério da Saúde, o índice de suicídio entre adolescentes e jovens negros no Brasil é 45% maior do que entre brancos. Além disso, enquanto permaneceu estável entre os brancos, o risco de suicídio aumentou 12% entre a população negra. Neste recorte, a faixa etária de 10 a 29 anos é a mais afetada, principalmente entre o sexo masculino, que tem chance 50% maior de tirar a vida do que entre brancos da mesma idade.
Por fim, um último dado que escancara os impactos sociais do racismo estrutural no Brasil: entre as pessoas que cometeram suicídio, dentre 50 a 70% nunca passaram por um tratamento com profissionais da saúde como psicólogos e psiquiatras.
Qual é o papel das empresas na luta antirracista?
Sabemos que apesar dos avanços no combate à discriminação racial, ainda há muito a ser feito, e as empresas podem ter um papel-chave neste processo. Um dos primeiros passos a serem tomados, além da conscientização, é claro, diz respeito à valorização do profissional negro e à ampliação de pessoas negras nos processos seletivos. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), menos de 30% dos cargos de liderança são ocupados por pretos e pardos, ainda que eles sejam a maior parte da força de trabalho no país.
O estudo Next Steps, realizado pelo Google em parceria com a Cia de Talentos, entrevistou mais de dois mil jovens negros para descobrir como as empresas podem fomentar o crescimento de carreiras pretas, principalmente de jovens talentos. As respostas indicaram 4 desejos principais:
- Representatividade no processo seletivo com entrevistadores da mesma raça/cor
- Maior oferta de vagas para além de projetos específicos de contratação de pessoas negras
- Plano de desenvolvimento de carreira
- Preparação para ocupar altos cargos de liderança
Está claro que investir na mudança de mindset e na construção de uma cultura organizacional que preze pelo respeito, pela diversidade e pelo bem-estar de todos é algo primordial. Neste quesito, os profissionais de RH também podem desempenhar um papel fundamental nessa jornada.
Trazendo a discussão para o campo dos benefícios corporativos, é interessante lembrar que já existem soluções integradas que abarcam todas as esferas de bem-estar e qualidade de vida para os colaboradores, como programas de saúde mental, desenvolvimento de soft skills, créditos para a compra de medicamentos, plano alimentar personalizado, entre outras soluções.
Se bem aplicadas e geridas, essas soluções integradas podem contribuir positivamente para a formação de colaboradores mais saudáveis e felizes.
O incentivo e a valorização de vidas pretas deve se dar diariamente. Quanto mais atenção, voz e cuidado os colaboradores e colaboradoras pretas tiverem, maiores são as chances deles se desenvolverem com segurança e responsabilidade.
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