
A revolução da inteligência artificial chegou definitivamente ao mundo do trabalho — mas o que isso significa na prática para empresas e profissionais? No SXSW 2025, especialistas de diversas áreas discutem como a IA está redefinindo funções, otimizando a produtividade e levantando questões éticas sobre sua implementação.
Além disso, o evento traz provocações importantes: o trabalho do futuro exigirá novas habilidades? Como equilibrar automação e humanidade na gestão de talentos?
Neste artigo, compilamos os destaques do evento para ajudar você a entender as transformações que estão moldando o futuro profissional.
How to Become the Manager People Want to Work For
As pessoas não estão saindo dos empregos apenas porque querem mais dinheiro. Elas estão saindo porque querem lideranças melhores.
No SXSW 2025, a palestra “How to Become the Manager People Want to Work For”, conduzida por Lia Garvin (Lia Garvin Consulting), trouxe um dado alarmante: a principal razão para a alta rotatividade nas empresas não é salário, nem benefícios, mas sim a liderança.

Um dos principais motivos da alta rotatividade nas empresas é a má liderança
Maus gestores desmotivam, criam insegurança e drenam a energia dos times. E o mais preocupante: muitas empresas ainda ignoram esse fator, acreditando que oferecer mais dinheiro pode compensar um ambiente de trabalho tóxico. Mas, o que realmente faz um líder ser alguém que as pessoas querem seguir – e não fugir?
Lia Garvin trouxe um roteiro prático para as novas lideranças, baseado em três pilares fundamentais.
1. Construir confiança
Confiança não é algo que um cargo impõe – ela precisa ser conquistada. E Garvin explicou que a melhor forma de fazer isso é sendo um líder previsível e coerente.
- Tenha uma intenção clara: Antes de tudo, um líder precisa definir que tipo de gestor quer ser. Para isso, um exercício simples: pense em um líder que você admira e nas qualidades que fazem essa pessoa ser referência para você. Esse deve ser seu norte.
- Aja de forma consistente: Os melhores líderes são previsíveis no sentido positivo: suas equipes sabem o que esperar deles. Se você fala algo, cumpra. Se define um valor, defenda.
- Relações baseadas em resultado, não favoritismo: Esqueça o discurso de que “somos uma família”. Times vencedores não são famílias – são equipes de alta performance. O que motiva as pessoas é a clareza do objetivo e a confiança de que, ao entregar, serão reconhecidas.
2. Clareza e transparência eliminam ruídos e insegurança
A falta de clareza é uma das maiores causas de frustração no trabalho. Sem saber exatamente o que se espera delas, as pessoas operam no escuro – e o medo de errar paralisa.
- Microgerenciamento destrói a autonomia: Garvin destacou que líderes que microgerenciam não estão, na verdade, ajudando suas equipes – estão impedindo que elas cresçam. Em vez de focar em supervisionar cada detalhe, um líder deve definir expectativas claras e confiar que seu time saberá executar.
- Feedbacks não devem ser evitados – devem ser estruturados: Muitas pessoas têm medo de dar feedback por receio de parecerem duras ou injustas. Garvin sugeriu um método simples para estruturar feedbacks construtivos: SBI (Situation-Behavior-Impact).
S (Situação) → Descreva o contexto específico em que o comportamento ocorreu.
B (Comportamento) → Aponte a ação concreta da pessoa.
I (Impacto) → Explique o efeito que essa ação teve na equipe ou no resultado.
Isso transforma feedbacks vagos como “você precisa se comunicar melhor” em algo realmente útil: “Na reunião de ontem (situação), você interrompeu o colega algumas vezes (comportamento), o que fez com que a ideia dele não fosse completamente discutida (impacto).”

Lia Garvin fala sobre liderança no 2º dia do SXSW 2025
3. Delegar não é perder controle – é desenvolver pessoas
O medo de delegar quase sempre tem a ver com falta de confiança. Muitos gestores se preocupam que, ao dar mais autonomia, perderão o controle ou verão a qualidade cair. Mas a verdade é que não delegar significa sufocar a equipe e impedir que ela cresça.
- Delegue trabalho significativo, não só tarefas chatas: Pessoas se comprometem quando sentem que fazem algo relevante. Delegar não é sobre “tirar peso das costas”, mas sim sobre dar às pessoas responsabilidades que as ajudem a crescer.
- Seja um treinador, não um chefe: Em vez de simplesmente dar ordens, faça perguntas poderosas que estimulem o pensamento crítico. Perguntar “Por que você acha que essa solução funciona?” é mais eficaz do que apenas dizer o que fazer.
- Conecte o trabalho ao propósito: Um estudo do Google revelou que os times mais produtivos são aqueles que entendem como o que fazem impacta o todo. Líderes devem ajudar a conectar os pontos entre as tarefas do dia a dia e o propósito maior da empresa.
Insights da nossa enviada especial ao SXSW 2025, Renata Rivetti
Após o painel, Renata Rivetti trouxe uma reflexão essencial para empresas que querem reter talentos:
Estamos perdendo profissionais qualificados porque não estamos cuidando deles. E isso não significa oferecer mais benefícios ou criar um ambiente “fofinho”. O que realmente importa é ter líderes que saibam construir confiança, comunicar com clareza e delegar com inteligência.
As pessoas investem tempo e energia onde se sentem valorizadas. Se uma empresa quer que seu time “vista a camisa”, precisa garantir que essa camisa não esteja sufocando ninguém.
Liderança não é sobre agradar – é sobre direcionar. Gestores que querem ser “legais” o tempo todo acabam sendo confusos, inseguros e incoerentes. Um líder forte é aquele que sabe criar um ambiente seguro para que as pessoas possam performar no seu melhor.
Amy Webb Launches 2025 Emerging Tech Trend Report
No segundo dia de SXSW 2025, Amy Webb, futurista e CEO do Future Today Institute, apresentou a 18ª edição do Tech Trends Report, trazendo um alerta direto: a IA não vai apenas responder perguntas – ela vai decidir por nós.
A palestra destacou o conceito de Living Intelligence, uma nova fase da tecnologia que une inteligência artificial, sensores e biotecnologia para criar sistemas que aprendem, evoluem e tomam decisões de forma autônoma. Isso não é o futuro distante – já está acontecendo.
O trabalho como conhecemos está com os dias contados?
A automação sempre esteve presente, mas o que vem agora é diferente. Amy Webb apontou que os Large Action Models (LAMs) – uma evolução dos grandes modelos de linguagem – não apenas geram respostas, mas tomam decisões e executam tarefas de maneira autônoma.
Imagine um sistema que, além de entender dados complexos, age por conta própria para otimizar processos, eliminar gargalos e criar novas soluções. Isso muda tudo para empresas, líderes e trabalhadores.
O relatório ainda destacou que modelos personalizados, os chamados PLAMs (Personal Large Action Models), podem se tornar assistentes pessoais altamente sofisticados, otimizando o tempo e permitindo que profissionais foquem no que realmente importa. Mas até que ponto essa autonomia será bem recebida no ambiente corporativo?
A fusão entre humanos e máquinas
O conceito de Living Intelligence vai além da IA tradicional. Sensores biológicos e tecnologias de monitoramento permitirão que máquinas entendam o contexto humano e se adaptem de forma personalizada.
Isso pode significar desde sistemas corporativos que preveem burnout antes que ele aconteça até modelos capazes de automatizar decisões estratégicas com base no comportamento dos times.
Outra tendência apontada foi a evolução da neurotecnologia: dispositivos que conseguem interpretar padrões cerebrais e conectar-se diretamente ao sistema nervoso para aprimorar processos cognitivos. Isso pode levar a uma integração ainda mais profunda entre humanos e máquinas.
Como as empresas devem se preparar?
Amy Webb destacou que organizações que não se adaptarem perderão relevância. Algumas ações são urgentes:
- Revisar estruturas de trabalho: empresas precisarão equilibrar automação e intervenção humana.
- Investir em novas habilidades: criatividade, pensamento crítico e inteligência emocional serão diferenciais em um mundo onde a IA executa tarefas complexas.
- Repensar a tomada de decisão: se a IA começará a agir sozinha, como garantir transparência e ética nesse processo?
- Preparar-se para o impacto da IA na segurança e privacidade: à medida que modelos autônomos assumem mais funções, a proteção de dados e o controle sobre decisões automatizadas se tornam ainda mais críticos.
Beyond Productivity: How AI Can Inspire More Meaning at Work
A inteligência artificial está redefinindo o trabalho – mas seu maior impacto vai além da eficiência. No terceiro dia de SXSW 2025, Angela Guzman (Zoom) e Silvia Oviedo Lopez (Canva) compartilharam insights sobre como a IA pode liberar tempo para a criatividade, facilitar a colaboração e personalizar experiências sem comprometer a autonomia humana.
Se antes a preocupação era substituição, agora a discussão gira em torno de empoderamento: como usar a IA para potencializar talentos, estimular conexões e criar um ambiente de trabalho mais inovador?

Angela Guzman e Silvia Oviedo Lopez compartilharam insights sobre como a IA pode liberar tempo para a criatividade
1. Adoção estratégica da IA: testando antes de lançar
Angela Guzman destacou a importância de experimentar internamente antes de lançar uma ferramenta para o público.
No Zoom, os próprios funcionários testam novas funções de IA, dando feedback para refinamentos antes da implementação oficial. Além disso, ela ressaltou que empresas que criam espaços seguros para testes e aprendizado conseguem uma adoção mais natural e eficaz.
2. Eficiência sem perder o controle
Silvia Oviedo Lopez mostrou como a IA já está otimizando tarefas manuais no Canva. Uma das inovações foi o uso da IA para transformar brainstorms em documentos organizados em segundos, garantindo um fluxo de trabalho mais ágil.
Outra iniciativa prática foi um desafio interno: usar IA para economizar um dia de trabalho por semana. Os times exploraram soluções personalizadas, desde automação de tarefas até resumos inteligentes de reuniões.
No Zoom, Angela Guzman apresentou o recurso “Catch Me Up”, que permite que funcionários que chegam atrasados a uma reunião tenham um resumo automático dos minutos que perderam – sem precisar interromper o andamento do encontro.
3. Personalização e acessibilidade
A IA também está moldando experiências mais intuitivas. Angela Guzman compartilhou que o Zoom implementou traduções automáticas em tempo real, garantindo comunicação fluida entre equipes globais.
Já no Canva, Silvia Oviedo Lopez falou sobre funcionalidades como o Magic Write e o Dream Lab, que permitem que designers criem esboços e conceitos rapidamente, explorando novas ideias sem precisar começar do zero.
4. IA com responsabilidade: ética e privacidade
A adoção da IA vem acompanhada de preocupações sobre privacidade e compensação de criadores. Angela Guzman explicou que o Zoom implementou um modelo híbrido de IA, garantindo que nenhum dado de usuário seja usado para treinar modelos externos. Já Silvia Oviedo Lopez destacou que o Canva destinou US$ 200 milhões para pagar royalties a artistas cujos trabalhos contribuem para o desenvolvimento da IA.
Outro desafio é equilibrar automação e controle humano. Ambas reforçaram que a IA deve ser transparente, atuando como um copiloto e não como um substituto, garantindo que as decisões ainda sejam feitas por pessoas.
5. O futuro da IA no trabalho
As painelistas concordam: a IA vai se tornar invisível, integrada ao fluxo de trabalho de forma tão natural quanto um smartphone. Mas seu verdadeiro valor não está na automação por si só – e sim na liberdade que proporciona para inovação, criatividade e conexão humana.
O recado final? IA não deve ser um fim, mas um meio. O desafio para empresas agora é garantir que essa tecnologia empodere profissionais em vez de apenas acelerar processos.
AI & The Productivity Paradox: Are We Really Getting Ahead?
A inteligência artificial foi vendida como a grande promessa para impulsionar a produtividade. Mas, na prática, muitas empresas investem pesado sem ver os resultados esperados. O que está acontecendo? Estamos realmente ficando mais produtivos ou só estamos sobrecarregando as equipes com novas ferramentas?
No painel sobre o paradoxo da produtividade da IA no SXSW 2025, Abigail Bassett (CNTRL Media), Annie Dean (Atlassian), Kelly Monahan (Upwork) e Lucas Puente (Salesforce) trouxeram números chocantes e desafios reais para quem quer usar IA sem cair em armadilhas.

Abigail Bassett, Annie Dean, Kelly Monahan e Lucas Puente no SXSW 2025
IA: Ferramenta ou parceiro estratégico?
56% dos profissionais acreditam que podem perder seus empregos para a IA nos próximos anos. Apesar disso, a maioria das empresas não tem um plano claro para requalificar suas equipes e preparar os times para essa nova realidade.
A grande questão não é apenas se a IA vai transformar o trabalho – isso já está acontecendo. O problema é como essa transformação está sendo conduzida. Para muitas empresas, IA virou sinônimo de cortar custos, reduzir equipes e acelerar processos, mas sem redefinir o que significa ser produtivo.
- Se IA está otimizando processos, o que os times fazem com esse tempo livre? Trabalham mais? Inovam mais? Ou só entram em mais reuniões desnecessárias?
- Se a empresa não tem um plano para upskilling, quem vai garantir que a IA complementa, e não substitui, o trabalho humano?
- Se IA economiza tempo, estamos medindo essa produtividade da maneira certa?
Produtividade: estamos medindo errado?
O grande erro das empresas hoje é medir IA apenas pelo tempo economizado. Mas isso diz pouco sobre o impacto real. Algumas novas métricas foram propostas no painel:
- Decisões mais rápidas: O tempo gasto em reuniões caiu? Informações circulam de forma mais eficiente?
- Criatividade ampliada: A IA está ajudando as equipes a pensar de forma mais estratégica e inovadora?
- Autonomia real: A IA está sendo usada como suporte ou está apenas criando novas camadas de burocracia?
E um dado ainda mais provocativo: equipes que confiam em seus líderes têm muito mais chances de usar IA de forma produtiva. Quando a liderança é baseada no controle e na falta de segurança psicológica, os times não se sentem confortáveis para experimentar.
Quem está gerenciando quem?
A próxima grande virada do trabalho não será apenas sobre gerenciar pessoas, mas sobre gerenciar IA.
A Salesforce trouxe um alerta importante: à medida que IA se torna mais integrada, os líderes precisarão aprender a gerenciar essa tecnologia como um “novo membro do time”.
Empresas que adotaram peer-to-peer learning (aprendizado entre colegas) viram um crescimento muito maior na adoção eficiente da IA. Em outras palavras, a melhor forma de incorporar IA pode não vir de treinamentos tradicionais, mas de um ambiente que incentive a troca e a experimentação.
No Atlassian, líderes já estão testando um novo modelo de trabalho: equipes que operam como hubs, onde IA auxilia na organização de projetos, distribuição de tarefas e no fluxo de trabalho, em vez de simplesmente executar comandos.
Se IA está transformando o trabalho, sua empresa está transformando sua equipe?
A IA já está mudando a forma como trabalhamos – isso não é mais uma questão de “se”, mas de “como”. O maior erro das empresas hoje é acreditar que IA é só uma ferramenta de eficiência, sem repensar a estrutura de trabalho.
Se sua empresa ainda não está discutindo como IA impacta a cultura, a criatividade e o desenvolvimento das pessoas, ela já está atrasada.
Agora fica a pergunta: se IA está otimizando o trabalho, você está aproveitando esse tempo livre para inovar ou só para acumular mais tarefas?
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