Fazer terapia é uma escolha que pode transformar vidas, mas muitas pessoas ainda hesitam antes de buscar essa ajuda. A ideia de se abrir com um profissional sobre questões pessoais pode ser assustadora, principalmente quando existe um estigma cultural que sugere que terapia é apenas para quem enfrenta grandes problemas de saúde mental.
Pois é. Apesar de sua importância crescente nas discussões públicas e nos meios de comunicação, a saúde mental ainda enfrenta obstáculos no que diz respeito à aceitação social. A terapia, uma ferramenta essencial para o bem-estar emocional, continua a ser envolvida em camadas de estigma e preconceito, fazendo com que muitos hesitem antes de buscar ajuda.
No entanto, essa percepção não apenas está desatualizada, como também é perigosa, pois ignora os benefícios comprovados da terapia para a saúde mental e o bem-estar geral. Em entrevista à Vidalink, a psicóloga clínica Ana Beatriz Tomazelli (CRP 06/166755) e a psicóloga do esporte Fernanda Faggiani (CRP 07/15539) reforçam essa visão com suas experiências e conhecimentos. Confira!
O preconceito em fazer terapia
O tabu em torno da terapia tem raízes profundas, culturalmente entrelaçadas com noções de força e autossuficiência. Em muitas sociedades, admitir a necessidade de ajuda psicológica é erroneamente interpretado como uma falha de caráter, um sinal de fragilidade. Este estigma persistente pode impedir as pessoas de buscar ajuda, agravando problemas que poderiam ser gerenciados ou resolvidos com o suporte apropriado.
Ana Beatriz aponta para o medo do desconhecido e a visão da sociedade como barreiras significativas. A pressão para atender a padrões irreais de produtividade e felicidade constante afastam as pessoas de admitir vulnerabilidades. “Vivemos uma supervalorização pela busca da produtividade, felicidade e da perfeição. Qualquer coisa que foge disso é discriminada. acabam esquecendo que todas as emoções são tão necessárias quanto a felicidade para o nosso funcionamento humano,” afirma Ana.
Ela prossegue, destacando como esse medo se manifesta:
“Tudo que é desconhecido nos provoca medo e leva a uma tendência de evitação e preconceito. Especialmente em relação aos transtornos mentais, essa visão estigmatizada transforma o sofrimento em algo a ser escondido, e as pessoas afetadas são frequentemente vistas como preguiçosas, incapazes ou até perigosas.”
Essa dinâmica cria uma relação negativa com emoções que não sejam felicidade, exacerbando o estigma e fazendo com que muitos evitam buscar ajuda. “Essas crenças sociais não só afastam as pessoas da terapia, mas também impactam suas vidas sociais e profissionais. Muitos nem reconhecem seu próprio sofrimento, entrando em negação por medo de serem julgados como fracos ou de enfrentarem repercussões no trabalho,” acrescenta Ana.
Por isso, Ana ressalta a importância de reconhecer a validade de todas as emoções humanas: “Muitos acabam esquecendo que todas as emoções são tão necessárias quanto a felicidade para o nosso funcionamento humano.” Segundo ela, esse esquecimento contribui para uma visão distorcida da saúde mental, onde apenas o bem-estar contínuo é valorizado, enquanto outras experiências emocionais são marginalizadas ou vistas como sinais de fraqueza.
Fazer terapia também é coisa de homem!
Quantos homens você conhece que fazem terapia? De acordo com estudos, essa taxa é relativamente baixa. Um estudo realizado pelo Instituto Ideia em 2022 indica que os homens brasileiros são reticentes quanto à terapia, mesmo sofrendo de ansiedade, estresse e depressão. Apenas 16% dos entrevistados afirmaram frequentar sessões de terapia. 80% disseram não cuidar de sua saúde mental, e destes, 65% reconheceram que não buscam ajuda, mas deveriam.
Ana Beatriz explica que desde muito cedo, os homens são condicionados a reprimir suas emoções e a associar a vulnerabilidade como uma fraqueza. “Existe a famosa frase que todo mundo já ouviu: ‘Homem não chora.’ Isso só reforça a ideia de que buscar ajuda emocional é sinal de falta de masculinidade,” diz Ana.
Ela acrescenta que estes estereótipos equivocados dificultam que os homens reconheçam e aceitem seu próprio sofrimento, resultando em relutância em procurar qualquer tipo de apoio. “Esses homens se sentem pressionados a se colocar em papéis de alta virilidade, de força indiscriminada, o que impede que sejam compreendidos e se compreendam,” comenta Ana.
Este ciclo, segundo a psicóloga, resulta muitas vezes em comportamentos prejudiciais, como abuso de álcool e drogas, numa tentativa de mascarar o sofrimento psicológico. Além disso, Ana enfatiza que muitas vezes esses homens não encontram uma rede de apoio compreensiva e acolhedora, seja entre amigos, no trabalho ou até na família, o que dificulta ainda mais a busca por ajuda psicológica.
A influência de figuras públicas
A boa notícia é que a percepção sobre fazer terapia está mudando. Exemplos na mídia e pessoas públicas que falam abertamente sobre seus tratamentos têm ajudado a quebrar o estigma. Um marco importante nesse aspecto aconteceu no esporte: Recentemente, a seleção brasileira de futebol fez um movimento notável ao incluir novamente uma psicóloga em sua comissão técnica, uma decisão que não ocorria há dez anos.
Além de ser um passo à frente no cuidado com a saúde mental dos atletas, é também um sinal de quebrar o tabu em um ambiente tradicionalmente marcado pela busca incessante por desempenho e resultados.
A psicóloga esportiva Fernanda destaca a importância dessa reintegração. “Considero isso um avanço e um ganho extremamente importante para a classe dos profissionais da psicologia, mas principalmente para os seres humanos envolvidos — os atletas,” explica.
A importância de cuidar da saúde mental
Fernanda acredita que esse cuidado multidisciplinar é essencial, e expressa esperança de que esse avanço influencie cada vez mais, pois essa mudança não apenas beneficia os atletas individualmente, como promove uma cultura mais saudável, mostrando a importância do cuidado com a saúde mental tanto quanto com a física.
A decisão da CBF ganhou ainda mais peso com a declaração do atacante Richarlison, do Tottenham-ING, que falou abertamente sobre como fazer terapia foi essencial para sua saúde mental e bem-estar. “Tinha preconceito e não tenho mais. Eu posso falar que salvou a minha vida. Só nós sabemos da pressão que sofremos,” afirmou o jogador em coletiva.
Para a psicóloga esportiva, o impacto das falas públicas de figuras influentes como Richarlison é fundamental para diminuir o preconceito em relação à terapia. A abertura do jogador sobre sua experiência pessoal com a terapia tem uma relevância tremenda não apenas para o esporte, mas também para o público geral, especialmente os homens:
“A fala do jogador Richarlison é extremamente significativa e tenho certeza que está contribuindo muito para a diminuição do preconceito, pois influencia muitas pessoas a olharem com mais cuidado para esses pontos emocionais, para o sofrimento, para a prevenção, para o bem-estar e com isso, buscar ajuda de profissionais adequados,” explica.
Não negligencie a sua saúde mental!
Para aqueles que ainda hesitam em buscar terapia por medo do julgamento, as especialistas destacam a importância de superar o medo e enfrentar os preconceitos para descobrir o valor transformador da terapia.
“A minha mensagem seria de que a pessoa vá com medo mesmo, porque talvez seja na própria terapia que a gente vai conseguir quebrar esse estigma. É só conhecendo e encarando esses medos que vamos dar espaço para o novo, para conhecer como é que se dá o processo e poder entender como é que tudo se encaixa dentro desse trabalho,” afirma Fernanda.
Ana Beatriz reforça a segurança e o apoio que a terapia oferece: “Você pode ter certeza absoluta que na terapia você vai encontrar esse ambiente totalmente sem julgamento. É um ambiente 100% seguro, onde você vai poder contar com alguém ali para ajudar a enxergar esse potencial que já existe dentro de você.”
Essas palavras são um lembrete poderoso de que, apesar dos desafios culturais e pessoais, a jornada terapêutica é uma oportunidade para crescimento e cura. O caminho para a superação do estigma começa com o passo corajoso de buscar ajuda, abrindo-se para novas possibilidades de entendimento e bem-estar emocional.
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