
Os Primeiros Socorros em Saúde Mental já fazem parte da rotina de muitas organizações que desejam cuidar das pessoas de forma integral. Em um cenário em que o estresse, a ansiedade e o adoecimento emocional aparecem entre as principais causas de afastamento no Brasil, entender como agir em situações de crise emocional deixou de ser “um diferencial” e passou a ser uma necessidade real dentro das empresas.
Para o RH, esse conhecimento se transforma em impacto direto: acolhe colaboradores, reduz riscos psicossociais, fortalece a cultura de bem-estar e aproxima a empresa das práticas exigidas pelo novo olhar da NR-1 sobre saúde mental no trabalho.
“Há uma mudança importante na percepção das empresas sobre o impacto que causam na vida das pessoas. Cultura, modelo de liderança, carga e ritmo de trabalho, sistemas de reconhecimento, relações interpessoais, níveis de autonomia e segurança psicológica são hoje reconhecidos como determinantes de saúde.” — Gisele Caleffi, psicóloga
O que são Primeiros Socorros em Saúde Mental?
Os Primeiros Socorros em Saúde Mental são um conjunto de ações práticas que qualquer pessoa treinada pode aplicar quando identifica sinais de sofrimento emocional em alguém. Assim como o atendimento inicial em situações físicas evita complicações, esse suporte inicial também evita agravamentos psicológicos, reduz riscos e orienta caminhos seguros até ajuda profissional.
É um cuidado que não substitui terapia, psiquiatria ou tratamentos, mas que cria uma ponte entre o sofrimento e o suporte adequado — exatamente o tipo de intervenção que pode transformar o desfecho de uma crise.
Por que o cuidado em saúde mental ganhou tanta força nas empresas?
Segundo a Organização Mundial da Saúde, os transtornos relacionados ao trabalho causam perdas de produtividade superiores a US$ 1 trilhão todos os anos. No Brasil, somos líderes globais em ansiedade e ocupamos uma das primeiras posições em casos de depressão na América Latina.
O Check-up de Bem-estar 2025, da Vidalink, comprova esses outros dados: 63% dos mais de 11.600 profissionais entrevistados relataram sentir ansiedade, angústia ou falta de vontade de fazer nada na maior parte dos dias. E, apesar do alto índice de sofrimento, 30% dos profissionais não fazem nada para cuidar da própria saúde mental.
Na prática, isso se traduz em afastamentos, absenteísmo, presenteísmo, turnover e perda de eficiência. Esses indicadores tornaram visível algo que já acontecia há muito tempo, mas permanecia pouco mensurado.
Gisele Caleffi explica que o avanço recente não é só numérico, mas conceitual:
“A saúde mental não diz respeito apenas ao indivíduo, mas também à forma como o trabalho é organizado. Com esse avanço conceitual e a evidência acumulada dos últimos anos — especialmente pós-pandemia —, as empresas passaram a compreender que saúde mental não é apenas uma pauta de RH, mas um elemento estratégico de sustentabilidade organizacional.”
Quando a empresa entende isso, o cuidado deixa de ser pontual (uma ação em Janeiro Branco, um workshop isolado) e passa a ser estruturante: influencia decisões de liderança, processos, metas, políticas e benefícios.
O que a NR-1 tem a ver com isso?
A Norma Regulamentadora nº 1, atualizada, trouxe de forma mais clara a necessidade de identificar, avaliar e controlar riscos que impactam a saúde e a segurança dos trabalhadores, incluindo os fatores psicossociais. Isso coloca o sofrimento emocional e os riscos relacionados à organização do trabalho diretamente na agenda legal das empresas.
Na prática, isso significa que:
- fatores como sobrecarga, ritmo de trabalho, conflitos constantes, assédio, falta de autonomia e insegurança psicológica deixam de ser vistos apenas como “questões comportamentais” e passam a ser entendidos como riscos organizacionais;
- o RH e a liderança precisam demonstrar que há ações de prevenção, protocolos de acolhimento e fluxos de encaminhamento;
- Primeiros Socorros em Saúde Mental deixam de ser apenas uma iniciativa de bem-estar e se conectam à gestão de riscos exigida pela legislação.
Mitos sobre saúde mental no trabalho que atrapalham a prevenção
Mesmo com tantos avanços, alguns mitos ainda dificultam o cuidado real dentro das empresas:
- “Sofrimento emocional é fraqueza ou falta de competência.”
Esse é um dos mitos mais persistentes. Ele transforma sofrimento em “falha de caráter” e alimenta o medo de pedir ajuda.
“Quando sofrimento psíquico é interpretado como falha individual, a tendência é que o problema seja silenciado, não tratado.” — Gisele Caleffi - “Saúde mental é só uma questão individual.”
A ideia de que “cada um dá conta do seu emocional” ignora o papel da cultura organizacional, do volume de trabalho, da qualidade da liderança e do clima de segurança psicológica. - Separar ‘doenças do corpo’ de ‘doenças da mente’.
Essa separação ainda sustenta estigmas. Como lembra Gisele, o sofrimento emocional tem efeitos físicos claros e o adoecimento físico também impacta a mente. Corpo e mente formam um único sistema.
Enquanto esses preconceitos persistirem, a prevenção será sempre superficial, centrada apenas em iniciativas individuais, sem enfrentar o papel da organização na equação.
Sinais de alerta que o RH e as lideranças precisam reconhecer
Falar sobre saúde mental exige sensibilidade, mas reconhecer sinais é o ponto de partida. Entre os mais comuns estão:
- mudanças abruptas de comportamento;
- queda brusca de produtividade;
- irritabilidade;
- falas que demonstram desesperança;
- isolamento;
- lapsos de memória ou dificuldade de concentração;
- crises de choro;
- atitudes de risco.
Gisele sugere olhar para quatro grandes dimensões, sempre comparando com o padrão habitual da pessoa:
- Reações emocionais
Irritabilidade incomum, oscilações de humor, explosões emocionais, apatia mesmo em momentos de celebração, ansiedade persistente, sensação de urgência excessiva para entregar tarefas. - Reações cognitivas
Atenção dispersa, lapsos de memória, dificuldade de concentração, indecisão, preocupação excessiva. - Reações físicas
Fadiga constante, taquicardia, falta de ar, dor de estômago, náuseas, sudorese, alterações de sono (sonolência ou insônia). - Reações comportamentais
Silenciamento, retraimento, obediência automática, desconfiança, conflitos frequentes, abandono de tarefas, queda brusca de engajamento, afastamento do grupo.

Mudanças pontuais ou sinais que pedem intervenção
Todos têm dias difíceis. O desafio das lideranças é diferenciar oscilações naturais de sinais que pedem intervenção.
Gisele propõe um critério simples:
- Mudança pontual: é proporcional ao contexto e tende a se resolver quando o evento estressor passa.
- Sinal de atenção: mostra persistência, agravamento e quebra do funcionamento habitual da pessoa — ela já não consegue fazer o que fazia com naturalidade.
A pergunta-chave para o RH e gestores é:
“Isso é coerente com quem essa pessoa costuma ser?”
Se a resposta for “não”, é hora de intervir — não com diagnóstico, mas com cuidado, escuta ativa e encaminhamento adequado. A intervenção precoce evita agravamentos, crises e afastamentos.
Sintomas “silenciosos” que passam despercebidos no ambiente corporativo
O adoecimento emocional raramente começa com grandes explosões. Em geral, ele entra “pelas frestas” do cotidiano e, por isso, passa despercebido.
Alguns exemplos citados por Gisele:
- Redução gradual do engajamento: quem sempre contribuiu e opinava começa a se calar.
- Silenciamento de pessoas naturalmente expressivas: quem sugeria ideias passa a evitar exposição.
- Micro desistências diárias: deixar de se voluntariar, pedir ajuda ou propor soluções.
- Desconexão de si e do trabalho: a pessoa “funciona no automático”, cumpre o básico, mas parece distante.
- Indiferença crescente (“tanto faz”): muitas vezes confundida com preguiça, pode indicar depressão ou estafa.
- Comportamentos de preservação: isolamento, câmeras desligadas, respostas protocolares, evitar conversas difíceis.
- Super funcionamento silencioso: fazer mais, assumir tudo, não delegar. Um padrão que também pode sinalizar exaustão iminente.
“O ponto chave é entender que sofrimento emocional altera o jeito de existir no trabalho, e isso aparece em nuances antes de aparecer em colapsos.” — Gisele Caleffi
Ambientes com segurança psicológica permitem que a pessoa não precise “gritar” para ser percebida.
Como aplicar Primeiros Socorros em Saúde Mental na prática
Aqui entra o passo a passo que faz a diferença imediata. O RH pode orientar colaboradores e líderes a seguirem quatro pilares:
- Aproximação segura
Chegar com respeito e clareza, sem exposição: “Percebi que você parece diferente nos últimos dias. Posso ajudar de alguma forma?”
A conversa precisa ser privada, acolhedora e sem julgamentos. - Escuta ativa
Ouvir sem interromper, sem minimizar e sem tentar resolver o problema por conta própria. A escuta valida o sentimento do outro e cria confiança. - Avaliação do risco
Observar se há falas ou comportamentos que indiquem risco à própria vida ou à integridade física. Se sim, o RH deve acionar imediatamente os protocolos internos, comunicar líderes responsáveis e direcionar a pessoa para assistência profissional urgente. - Encaminhamento responsável
Após o acolhimento inicial, a pessoa deve seguir para suporte especializado: psicoterapia, psiquiatria ou serviços oferecidos pela empresa, caso existam.
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O que o RH não deve fazer de jeito nenhum em uma situação de crise
Tão importante quanto saber o que fazer é saber o que evitar. Gisele destaca alguns erros graves:
- Julgar o comportamento ou a intensidade do sofrimento.
- Exigir detalhes íntimos como condição para oferecer apoio.
- Usar frases que minimizem a dor, como: “Isso vai passar”, “Eu já passei por isso, fica tranquilo”, “É só ter fé”.
- Rotular ou espiritualizar o problema, como “falta de força”, “falta de fé”.
- Sugerir desligamento como solução para a crise.
“O papel do RH não é diagnosticar, corrigir ou interpretar a vida emocional da pessoa. É garantir acolhimento, proteção, não julgamento e encaminhamento adequado. Cuidar, antes de qualquer coisa, é não causar dano.” — Gisele Caleffi
Capacitar o RH e as lideranças: por que isso muda tudo?
Treinar equipes para atuar em Primeiros Socorros em Saúde Mental cria uma rede de apoio interna. Empresas passam a ter colaboradores preparados para lidar com:
- crises de ansiedade;
- episódios de pânico;
- conflitos intensos;
- surtos emocionais;
- situações de risco.
Além disso, capacitações ajudam o RH a:
- estruturar protocolos coerentes;
- impulsionar ações de campanhas como o Janeiro Branco;
- incorporar práticas alinhadas às recomendações da NR-1 sobre fatores psicossociais;
- orientar lideranças sobre comportamentos adequados em situações de crise.
Quanto mais líderes entenderem sobre saúde mental, menores são os riscos de comportamentos nocivos dentro da empresa, como pressão excessiva, exposição pública de erros ou respostas punitivas frente ao sofrimento.
Os maiores erros das empresas quando o assunto é saúde mental
Na visão de Gisele, três falhas são especialmente críticas:
- Acreditar que o problema vai se resolver sozinho.
Negar a crise, tratar o adoecimento como exceção ou caso isolado, quando os dados mostram que é sistêmico. - Estigmatizar o tema.
Seguir associando sofrimento psíquico à fraqueza, falta de preparo ou “pouca resiliência”, o que impede o diálogo e afasta as pessoas do cuidado. - Responder a um fenômeno complexo com ações superficiais.
O famoso “ofurô corporativo”: chá, quick massage, meditação avulsa. Iniciativas que podem ser complementares, mas não enfrentam a raiz do problema: a forma como o trabalho é organizado.

Como fortalecer essa frente dentro da empresa
Algumas ações geram grande impacto e conectam bem-estar, NR-1 e estratégia de negócios:
- desenvolver políticas claras de cuidado emocional;
- oferecer treinamentos periódicos em Primeiros Socorros em Saúde Mental;
- criar um canal de apoio para escuta e orientação;
- estruturar fluxos de encaminhamento para serviços de psicologia, psiquiatria e demais recursos de saúde;
- ampliar o acesso a benefícios que garantem tratamento — como cobertura para medicamentos, acompanhamento contínuo e conteúdos de autocuidado;
- incluir saúde mental nos indicadores de clima, engajamento e segurança.
O RH não precisa fazer tudo sozinho, mas precisa ser o catalisador dessas transformações, articulando áreas, sensibilizando lideranças e qualificando a conversa.
O cuidado começa antes da crise em saúde mental
Primeiros socorros emocionais são essenciais, mas a prevenção é ainda mais estratégica. Quando a empresa investe em bem-estar, educação em saúde e ferramentas acessíveis, reduz drasticamente o número de colaboradores que chegam ao limite.
Pessoas informadas, com acesso ao tratamento certo e com uma rede de suporte fortalecida, vivem uma rotina mais segura e sustentável. E, sob a ótica da NR-1, empresas que enxergam saúde mental como parte da gestão de riscos — e não apenas como benefício — dão um passo importante rumo a uma cultura verdadeiramente saudável, humana e responsável.






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