
Os dados sobre saúde mental do Check-up de Bem-estar 2025 acendem um alerta vermelho: 63% dos mais de 11.600 profissionais entrevistados relataram sentir ansiedade, angústia ou falta de vontade de fazer nada na maior parte dos dias.
O que mais chama a atenção, no entanto, é o paradoxo que os números revelam: apesar do alto índice de sofrimento, 30% dos profissionais não fazem nada para cuidar da própria saúde mental.
Por que existe essa lacuna imensa entre sentir a necessidade e agir para mudar?
Para aprofundar essa análise, convidamos Leonardo Abrahão, psicólogo e presidente do Instituto Janeiro Branco. Para ele, a resposta não é simples e passa longe de ser apenas uma “falha individual”. Ela envolve barreiras psicológicas, o estigma de gênero e, principalmente, desigualdades estruturais profundas.
“A própria ansiedade rouba a energia para pedir socorro”
A primeira barreira para entender por que 30% dos profissionais não buscam ajuda é o próprio sintoma. Como explica Leonardo Abrahão, o sofrimento mental muitas vezes é paralisante.
“Muitas pessoas sofrem intensamente, mas não buscam ajuda porque a própria ansiedade rouba a energia necessária para pedir socorro, criando um círculo em que o sofrimento paralisa a ação.”
Além da paralisia causada pelo sintoma, vivemos em um ambiente que não valida esse sofrimento. “Vivemos em uma cultura que normaliza a exaustão, disfarça a angústia como parte do ‘jogo da vida’ e estigmatiza quem admite fragilidade emocional“, completa Leonardo.
O tabu masculino: por que os homens lideram os rankings?
Essa paralisia e esse estigma são ainda mais visíveis entre os homens. O Check-up de Bem-estar 2025 mostra que, enquanto 32% dos homens não fazem nada pela saúde mental, esse índice entre as mulheres é de 28%.
Por outro lado, as mulheres são as que mais buscam ativamente por suporte: elas fazem o dobro de terapia (16% vs 8%) e usam mais medicamentos (18% vs 13%).
Para Leonardo Abrahão, isso é um reflexo claro do tabu que ainda define a masculinidade.
“Esses dados deixam evidente que o tabu em torno da saúde mental masculina ainda é um muro alto que impede muitos homens de pedir ajuda, porque foram educados a acreditar que sentir dor emocional é sinal de fraqueza e que ser forte significa suportar tudo em silêncio, como se a masculinidade fosse uma couraça que jamais pode ser retirada.”
Ele explica que essa cultura “pressiona meninos e homens a se distanciarem das próprias emoções” e a “evitarem recursos de cuidado que poderiam salvar vidas, como terapia e apoio médico adequado”.
O peso da desigualdade financeira e racial
Se o tabu de gênero é uma barreira cultural, os dados do Check-up de Bem-estar 2025 mostram que as barreiras mais intransponíveis são estruturais. O autocuidado não é uma opção viável para todos.
A “inação” tem uma cor clara: 36% de pessoas pretas e pardas dizem não fazer nada para cuidar da saúde mental, contra 24% de pessoas brancas.
Para Leonardo Abrahão, esse dado não pode ser analisado isoladamente. Ele é uma consequência direta da desigualdade revelada em outros pilares do estudo, como o financeiro. O Check-up mostrou que apenas 34% das pessoas pretas e pardas têm uma boa saúde financeira, contra 46% das brancas.
Leonardo é taxativo ao conectar os pontos: “A pior condição financeira vivida por muitas pessoas pretas e pardas não é fruto de escolhas individuais, mas consequência direta de um racismo estrutural que limita oportunidades, precariza trajetórias e gera uma luta diária pela sobrevivência que ocupa todo o espaço mental e emocional, tornando o cuidado com a própria saúde psíquica algo percebido como distante e até impossível.”
Ele argumenta que essa vulnerabilidade econômica, somada à falta de acesso e a um sistema que “reproduz preconceitos, invisibiliza dores específicas e falha em acolher”, cria um ciclo cruel.
O dilema do cuidado: estamos prevenindo ou medicalizando?
Quando olhamos para o que os profissionais fazem para se cuidar, o exercício físico (34%) se consolida como a principal ferramenta. Por que ele, e não a terapia (12%) ou a meditação (9%)?
Segundo Leonardo, a resposta está na acessibilidade e na cultura: “O exercício físico ocupa esse lugar porque já faz parte da cultura há muito tempo, é acessível, prático e combina com uma sociedade que privilegia o que é visível, objetivo e mensurável”.
A busca pela terapia, por outro lado, exige mais. “A mente e a alma são vales desconhecidos que assustam e exigem coragem para serem explorados“, afirma.
O alerta da medicalização
Enquanto a prevenção (terapia) é subutilizada, o estudo aponta uma tendência preocupante: o aumento no consumo de medicamentos para saúde mental nas gerações Z, Millennials e X.
Leonardo Abrahão vê essa tendência como “ambivalente”. Por um lado, “indica que as novas gerações estão rompendo tabus históricos”. Por outro, “pode refletir um processo de medicalização crescente, no qual tensões existenciais, crises culturais, precariedade do trabalho, insegurança financeira e pressões sociais intensas acabam sendo tratadas mais como desequilíbrios químicos do que como respostas compreensíveis a realidades adoecidas”.
O alerta dele para as empresas é direto: “O medicamento é importante quando necessário, mas ele não pode substituir o direito de viver em um ambiente que favoreça o bem-estar e a dignidade humana, pois sem políticas de cuidado coletivo, sem transformação das condições que adoecem, a pílula tende a virar o único alívio possível para dores que, na verdade, pedem mudanças dentro e fora de nós.“
O papel das empresas
Se os problemas são estruturais (cultura, desigualdade) e não apenas individuais, por que os programas de bem-estar das empresas parecem não estar dando conta?
Para o psicólogo, o erro está em focar em “paliativos”. “A abordagem corporativa ainda se concentra demais em iniciativas pontuais que soam como paliativos e não chegam ao coração do problema, porque cuidar verdadeiramente da saúde mental no trabalho exige rever culturas organizacionais que transformam pessoas em recursos descartáveis, impõem ritmos impossíveis, alimentam o medo constante do erro e silenciam qualquer expressão autêntica de sofrimento.”
Ele defende que as empresas precisam ter a “coragem de assumir que o adoecimento não é um defeito individual dos colaboradores, mas uma consequência direta de um ambiente que estimula a hiperprodutividade”.
O RH precisa agir na prevenção
Como presidente do Instituto Janeiro Branco, Leonardo reforça que a urgência está na prevenção e na psicoeducação. “A saúde mental precisa deixar de ser tratada como algo opcional ou acionado apenas quando a crise já tomou conta, pois o sofrimento está se tornando regra e não exceção”.
Ele finaliza com um chamado à responsabilidade dos profissionais de RH: “assumir a coragem histórica de despertar, sensibilizar, conscientizar e educar gestores e líderes ainda indiferentes à verdade de que seres humanos são seres psicológicos, com necessidades psicossociais que, quando ignoradas, custam caro às empresas em desempenho, clima, pertencimento e vida”.
Para ver todos os dados sobre saúde mental e os recortes de gênero e raça, baixe agora o Check-up de Bem-estar 2025, o maior estudo sobre bem-estar corporativo do Brasil.










Postar um comentário