
Não é porque tá na moda. Não é porque “pega bem” se posicionar. Nem porque estamos em junho. O fato é que lutar por diversidade e inclusão deveria ser uma obrigação de todos que sonham com um mercado de trabalho mais justo, saudável e igualitário. E ser uma empresa aliada da comunidade LGBTQIAPN+ vai muito além de pintar a logo de arco-íris. Ser um verdadeiro parceiro significa criar um ambiente seguro, empático e acolhedor para todas as pessoas, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
No artigo de hoje, discutiremos quais são os principais desafios enfrentados pela população LGBTQIAPN+ no mercado e analisaremos alguns caminhos para promover a equidade no trabalho. Vamos lá?
Afinal, avançamos ou não?
De acordo com dados da Gallup, em 2022 metade dos adultos do mundo (50%) afirmaram que sua cidade ou região são um “bom lugar” para gays e lésbicas viverem – um número que dobrou na última década. Trazendo a discussão para o campo do mercado de trabalho, também existem avanços. Nos últimos anos, o tema vem ganhando cada vez mais força e, de fato, muitas empresas passaram a ter mais cuidado ao olhar a fotografia do seu quadro de colaboradores e promover processos seletivos mais inclusivos.
No entanto, de acordo com Niodara Faria, Analista de Comunicação no iFood e mulher trans, muitas dessas empresas o fizeram “por onda”, ou seja, para serem lidas como empresas aliadas e promoverem positivamente a imagem institucional sem qualquer intencionalidade.
“Essas empresas não se letraram, não entendiam nossas realidades e nos resumiam a lésbicas e gays cisgêneras, excluindo completamente outras possibilidades de orientações, identidades e expressões. Agora, o mercado está aprendendo que LGBTQIAPN+ não é só uma sigla, mas representa todo um grupo historicamente marginalizado e subrepresentado nos espaços organizacionais, e que não é apenas sobre diversidade, mas a inclusão real de pessoas LGBTQIAPN+, nossas realidades e vivências”, afirma.
Não é só sobre incluir
Quando paramos para refletir sobre a participação da comunidade LGBTQIAPN+ no mercado de trabalho, fica claro que não é só sobre incluir, mas também sobre acolher. De acordo com dados da Gallup, apenas 17% dos colaboradores LGBTQIAPN+ acreditam que sua empresa se preocupa com seu bem-estar. E essa falta de apoio e suporte pode levar a consequências graves para a saúde mental dos indivíduos.
A pesquisa National Survey on LGBTQ Youth Mental Health mostra que a maioria dos entrevistados apresentou sintomas de transtorno de ansiedade generalizada e transtorno depressivo maior (68% e 55%, respectivamente). Além disso, 48% relataram envolvimento em automutilação nos últimos 12 meses.
No Brasil, a situação não é muito mais animadora. Estudo realizado pela Catho revela que 61% dos profissionais LGBTQIAPN+ não assumem sua orientação sexual ou identidade de gênero no ambiente de trabalho por medo de discriminação e de sofrerem prejuízos profissionais. E o dado mais alarmante: 38% das empresas brasileiras não contrataria pessoas LGBTQIAPN+ para cargos de gestão.
Segundo o Estudo Diversidade, Representatividade e Percepção – Censo Multissetorial da Gestão Kairós 2022, na macrovisão da Liderança (Gerente e acima), Lésbicas, Gays e Bissexuais (LGB) são 3,4%; Pessoas Transgênero – Travestis e Transexuais (T) representam 0,7%, sendo 0,6% homens trans e 0,1% mulheres trans, também não chegando a 1% de representatividade.
“Não importa o quão competente você seja, as suas habilidades e expertises. Nossos marcadores de orientação, identidade e expressão sempre vêm à frente com muitos estereótipos e preconceitos. Para quem está do lado de fora da sigla pode ser apenas um dado, mas para nós é uma constatação real e parte da dificuldade que temos em nos sentirmos verdadeiramente pertencentes”, completa Niodara.
O papel das lideranças
As lideranças são responsáveis por estabelecer uma cultura organizacional que valorize a diversidade e o respeito, e por isso têm um papel crucial na promoção de um ambiente mais inclusivo. E para ser um bom aliado, o primeiro passo é estar disposto a ouvir, aprender e se educar sobre as questões LGBTQIAPN+. É nisso o que acredita Abi Nogueira, Coordenadora de Inteligência Comercial da Vidalink.
“Toda mudança de cultura e mindset precisa ter início nos líderes. O exemplo ao dar relevância à pauta, tratar o tema com naturalidade, respeito, e oferecer acolhimento devem ser conduzidos por quem está à frente. Acredito que antes de querer promover a inclusão é preciso ouvir e promover a aceitação, primeiramente da pauta da comunidade, que com certeza já está dentro de casa. Naturalmente, com esse passo a inclusão vai tomando forma, força e avanços”.
Permitir que todas as pessoas se expressem livremente, sem medo de retaliação ou discriminação, é papel essencial de uma liderança inclusiva. E isso pode ser feito por meio da criação de políticas claras de não discriminação e do estabelecimento de canais de comunicação seguros para denúncias e apoio.
“O poder ser quem se é, o “sair do armário corporativo” é um grande desafio, uma vez que em uma conversa informal, por exemplo, sobre cônjuges, filhos(as), etc, há um receio em comentar sobre seu parceiro(a) e gerar estranhamento na roda. O acolhimento e o senso de pertencimento das pessoas do time são muito importantes, com espaços abertos de diálogo, promovendo maior segurança psicológica”, argumenta a Especialista em Inclusão e Diversidade do Grupo Oncoclínicas, Paloma Oliveira.
“Acredito que o papel dos líderes e gestores, além de promover ações e rodas de conversa sobre o assunto, é preciso dar visibilidade para as pessoas da comunidade, tanto na hora de falar sobre o assunto tendo uma pessoa que está no seu local de fala, quanto nas contratações de pessoas do meio. Pois de nada adianta só debater o tema, se na prática não se aplica tendo diversidade dentro de casa. São coisas relacionadas e que devem caminhar juntas, quando se quer verdadeiramente apoiar a causa”, finaliza Débora Fritzen, Gerente de Desenvolvimento de Negócios na Vidalink.
O RH como agente ativo no avanço da equidade
É praticamente impossível falar sobre diversidade, equidade e inclusão sem pensar no papel crucial que o setor de RH desempenha neste processo. O RH tem a responsabilidade de liderar as iniciativas e garantir que a empresa esteja adotando práticas e políticas inclusivas.
Para Niodara, essa inclusão inevitavelmente passa por uma “reumanização” do setor. “Penso que o primeiro passo é humanizar todos os subsistemas de RH. Ou seja, eles precisam lembrar que apesar de terem se tornado áreas movidas e baseadas por dados, no final todos esses dados e recursos são na verdade pessoas que chegam até a empresa com vivências diferentes. Essas pessoas são movidas e estimuladas por coisas diferentes, e por isso não dá pra focar em uma solução única sem levar em consideração as individualidades. Isso exige então uma mudança de mentalidade de todos os subsistemas de RH na definição de escolha e extensão de benefícios, por exemplo”.
Além de contribuir para a saúde e o bem-estar da população LGBTQIAPN+, estender a política de benefícios também é uma forma de reduzir a discriminação, atrair novos talentos e fortalecer a cultura organizacional, criando um ambiente onde todas as pessoas se sintam valorizadas e respeitadas. E isso não só beneficia os colaboradores LGBTQIAPN+, mas também a própria empresa, que prospera com a diversidade de perspectivas e experiências.
“Ter acesso a formas de se cuidar é uma ação de acolhimento, e isso pode ser feito com benefícios corporativos. A população LGBTQIAPN+ é a que mais sofre com questões de saúde mental. Além de problemas no ambiente corporativo, muitos não têm apoio familiar, então ter acesso a cuidado mental com profissionais especializados no tema impacta demais no bem-estar dessas pessoas. Incentivos a uma boa alimentação e atividades físicas refletem no corpo e na mente. Muitos fazem uso de medicamentos, seja por saúde mental, questões hormonais ou mesmo problemas crônicos diversos, e ter acesso ao tratamento é essencial”, afirma Abi.
Vale lembrar que a luta por uma organização mais saudável e justa não termina em um processo seletivo inclusivo ou na extensão da política de benefícios. É preciso cuidar para que, após a contratação, esses grupos estejam em um ambiente que permita o seu amplo desenvolvimento. Afinal, muitas delas têm formação e competência, mas estão pela primeira vez no universo corporativo.
“Diversidade também é sobre performances diferentes, já que as pessoas não têm os mesmos pontos de partida. Essas pessoas precisam ter apoio dos times de Diversidade e Inclusão, mas principalmente das equipes de desenvolvimento humano da organização para que consiga propor planos de carreira que atenda não apenas a necessidade de performance para o negócio, mas que também leve em consideração as particularidades e necessidades individuais de desenvolvimento da pessoa, tanto o desenvolvimento técnico (hard skills), quanto o desenvolvimento comportamental e humano (soft skills)”, complementa Niodara.
Ser um bom aliado para a comunidade LGBTQIAPN+ vai além do discurso. É um processo que não acaba do dia pra noite. É necessário agir e promover mudanças reais nos ambientes de trabalho. Através de políticas inclusivas, lideranças engajadas e um compromisso genuíno com a equidade, é possível criar um ambiente acolhedor, respeitoso e produtivo para todas as pessoas.
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